INTRODUÇÃO
⌅A vida, assim como o desenvolvimento sustentável das sociedades, dependem inteiramente do recurso água, que é um factor sine qua non na produção agrícola (Hipólito e Vaz, 2017Hipólito, J. R., e Vaz, Á. C. (2017). Hidrologia e Recursos Hídricos (Vol. III). Portugal: Lisboa: IST Press.). É possível compreender melhor hoje que a água é um recurso, além de renovável, finito, pelo que é responsabilidade das nações aperfeiçoarem as técnicas de gestão deste precioso líquido. Tendo em conta que a disponibilidade deste recurso varia completamente em função ao uso e das diferentes caraterísticas climáticas de cada região, é impreterível garantir a sustentabilidade da sua utilização (Vieira, 2023 Vieira, L. L. J. (2023). O uso sustentável da água: uma intervenção através das emoções no 1ºCEB. Relatório de mestrado. Escola Superior de Educação- Politécnico de Coimbra. Retrieved from https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/45741/1/LARA_VIEIRA.pdf ). A necessidade do uso sustentável é ainda mais evidente atualmente, tendo em conta o maior risco de escassez, dado pela realidade das alterações climáticas e pelo aumento da população mundial que requer maior consumo para satisfazer as crescentes necessidades bem como pela demanda de água por parte dos sectores da indústria e habitação. Assim, a compreensão da ocorrência, circulação e distribuição da água nas diferentes partes da Terra possibilita ao homem fazer uso racional deste recurso (Hipólito e Vaz, 2017Hipólito, J. R., e Vaz, Á. C. (2017). Hidrologia e Recursos Hídricos (Vol. III). Portugal: Lisboa: IST Press.).
Um dos grandes desafios do Governo de Angola é combater a fome e a pobreza, por via da agricultura, além de outros projectos estruturantes, garantindo assim a segurança alimentar no País. Tendo em conta a sua enorme disponibilidade hídrica, a criação de Perímetros Irrigados foi uma aposta do Governo, pois estes, funcionando em pleno, podem ajudar a reduzir os níveis de escassez de alimentos e aumentar a oferta laboral. Contudo, não basta apenas ter os Perímetros Irrigados, é necessário garantir a sua operacionalização, pois só assim poderão ser alcançados os níveis de produção pretendidos. Tendo em conta ainda que os sistemas de rega dos Perímetros são projectados e operados para, sem desperdícios, atender às necessidades de água das culturas Silva et al. (2002)Silva, E. M., Azevedo, J. A., e Lima, J. E. (2002). Análise de desempenho da irrigação. Embrapa Cerrados, 84. https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CPAC-2009/24826/1/doc_70.pdf, é necessário garantir que estes tenham níveis de desempenho satisfatórios (Pimenta, 2021Pimenta, J. C. A. (2021). Avaliação de Dois Sistemas de Rega Localizada. Disertação para a obtenção do grau de mestre em Engenharia Agronómica. Universidade de Lisboa. Retrieved from https://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/23859 ), para tal, é preciso fazer manutenções constantes, garantindo assim níveis óptimos de eficiência de rega.
O objectivo deste trabalho foi avaliar o desempenho do sistema de rega instalado no Perímetro Irrigado do Mucoso, e compreender as implicações económicas que resultam da uniformidade de rega. Pretende-se ainda propor soluções que motivem a melhorar os níveis de eficiência do sistema de rega em causa.
MATÉRIAS E MÉTODOS
⌅Caracterização da área de estudo
⌅O actual Perímetro Irrigado do Mucoso resulta da reabilitação (tendo custando aos cofres do governo de Angola 16,8 milhões de euros, equivalente a mais de 2 bilhões de Kwanzas) de uma quinta cujo aproveitamento agrícola mediante rega havia já sido explorado comercialmente nos anos 70, tendo sido abandonado posteriormente. A reabilitação (que iniciou em 2011 e terminou em 2015) visou retomar a exploração comercial da quinta do Mucoso para a produção de hortícolas e outros cultivos herbáceos alimentares de grande demanda na região e nos mercados de Luanda (Ministério da Agricultura, 2014Ministério da Agricultura. (2014). Reabilitação do perímetro irrigado de mucoso (500 ha) (pp. 752). Angola: Incatema Consulting & Engineering.).
Clima
⌅A região do Mucoso é caraterizada como tendo um típico clima subtropical húmido com temperatura e humidade altas (Figura 1), relativamente constante e uma estação seca acentuada com duração de quatro meses - Junho a Setembro (Ministério da Agricultura, 2014Ministério da Agricultura. (2014). Reabilitação do perímetro irrigado de mucoso (500 ha) (pp. 752). Angola: Incatema Consulting & Engineering.). Segundo a classificação de Koppen e Geiger, enquadra-se no tipo de clima Aw (clima tropical cujo inverno tem uma estação seca).
Temperatura e Precipitação
⌅Em Angola verificam-se temperaturas altas praticamente ao longo do ano. As temperaturas mais baixas são verificadas nos meses de Maio e Junho. A região é caraterizada por longos meses de altas temperaturas, seguindo praticamente o padrão nacional, com temperaturas máximas de 28,2 °C nos meses de Fevereiro, Março e Abril e as mínimas a atingirem os 14 °C em Julho e Agosto. A temperatura média anual é de 22,3°C.
Solos
⌅Os solos na região em estudo classificam-se, genericamente, como franco-arenosos, profundos, com textura média a grosseira e excelente drenagem em todo o seu perfil, sem problemas de salinidade.
Pode-se afirmar que são solos que se adaptam bem às culturas instaladas no local, pois não há factores considerados extremos que limitam fortemente o crescimento radicular nem a disponibilidade de água para as plantas.
Área total, divisão das parcelas e culturas instaladas
⌅O Perímetro Irrigado do Mucoso está subdivido em 160 parcelas, tendo cada uma 3,11 ha, o que totaliza 497,6 ha. Na Figura 2 pode se observar o esquema da divisão das parcelas, sendo que 54 estavam destinadas ao cultivo de citrinos, 36 parcelas para o cultivo de manga, 36 para o cultivo de ananás e 34 parcelas destinadas ao cultivo de hortícolas.
Além das parcelas agrícolas, há ainda outras infraestruturas de apoio à produção e aos produtores, tais como residências para funcionários, centro administrativo, centros de tratamento de água para posterior distribuição, tanques reservatórios, oficinas e câmaras de conservação de produtos oriundos dos campos agrícolas. Aquando da realização do estudo, estavam instaladas as seguintes culturas: manga (30 ha), citrinos (74 ha), ananás 3,11 (ha) e banana (9,0 ha).
A irrigação no local era feita com base numa escala definida pelos técnicos de rega, é um critério era a verificação visual da humidade do solo até a profundidade da zona radicular), a eficiência do sistema de irrigação utilizado (quanto a eficiência do sistema de rega utilizado, não havia informações, pois, estudos não foram feitos no sentido de determinar os níveis de eficiência, sendo que os dados apresentados neste trabalho acabam por ser uma novidade.
Avaliação da Uniformidade de rega no local de estudo
⌅Para a avaliação da uniformidade de rega fez-se a recolha de água em duas parcelas: citrinos, cujo compasso é 3 x 6m, e banana, cujo compasso é de 2 x 2m. Para tal, os recipientes foram colocados no início da linha, a um terço, a dois terços e no fim, conforme esquema proposto por Keller e Karmeli (1975) citados por Santos et al. (2021)Santos, M., Fernandes, W., Souza, J., e Souza, V. (2021). Eficiência de sistema de irrigação por gotejamento utilizando água salobra / Drip irrigation system efficiency using saline water. Brazilian Journal of Development, 7, 73248-73262. https://doi.org/10.34117/bjdv7n7-480..
Foram avaliados 16 gotejadores nos sectores, o que perfaz um total de 32 amostras colectadas (Figura 3).
Balanço hídrico do solo e determinação das necessidades líquidas de rega das culturas
⌅Para determinar o balanço hídrico do solo e as necessidades líquidas de rega das culturas recorreu-se ao programa CropWat 8.0 da FAO. A determinação das necessidades líquidas de rega foi feita tendo em conta os valores de evapotranspiração da cultura e a precipitação no local. Os valores dos Coeficientes culturais (Kc) e da duração das fases das culturas para a região em estudo, disponibilizados na literatura existente foram ajustados com base nas informações obtidas no perímetro.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
⌅Uniformidade de distribuição
⌅A gestão e eficiência da rega são fortemente afectadas pela forma como a água é distribuída ao longo da parcela. A uniformidade de distribuição de água, sendo um indicador da uniformidade de aplicação, é responsável pela quantidade de água que as plantas irão receber. É importante realçar que a baixa uniformidade se traduz na disponibilização irregular de água para as plantas, podendo estas receber água em excesso ou em deficit (Santos et al., 2017Santos, M., Santos, D., Silva, D., Silva, M., e Cavalcante, P. (2017). Avalaição da uniformidade de distribução de um sistema de irrigação por gotejamento em Inamhe (Dioscorea cayennensis L.). Revista Ciência Agrícola, 13, 7. https://doi.org/10.28998/rca.v13i1.1272.; Santos et al., 2021Santos, M., Fernandes, W., Souza, J., e Souza, V. (2021). Eficiência de sistema de irrigação por gotejamento utilizando água salobra / Drip irrigation system efficiency using saline water. Brazilian Journal of Development, 7, 73248-73262. https://doi.org/10.34117/bjdv7n7-480.).
Para melhor compreensão da classificação do coeficiente de uniformidade de aplicação de água dos sistemas de rega nas parcelas estudadas, apresenta-se, na tabela 2, os parâmetros que qualificam o coeficiente de uniformidade, conforme proposto por Keller e Karmeli (1974) citados por Andrade et al. (2021)Andrade, A., Silva, E., Silva, E., Pereira, R., Silva, J., Costa, C., . . . Noronha, D. (2021). Avaliação do desempenho de sistema de irrigação por gotejamento em cultivo de maracujá. Research, Society and Development, 10, e21710414034. doi: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14034.
Coeficiente de uniformidade (%) | Classificação |
---|---|
90 a 100 | Excelente |
80 a 90 | Boa |
70 a 80 | Regular |
<70 | Má |
Na Tabela 3 apresentam-se os valores de referência da eficiência que os sistemas de rega localizada podem atingir quando são bem dimensionados. São valores referenciais para estes sistemas de rega.
Rega localizada | Eficiência (%) |
---|---|
Gotejadores, ≈ 3 emissores por planta | 85 - 95 |
Gotejadores, < 3 emissores por planta | 80 - 90 |
Microaspersores e bublers | 85 - 95 |
Linha contínua de emissores gota-a-gota | 70 - 90 |
Os valores indicativos expostos nas tabelas 2 e 3 servem de base à análise de resultados que se apresentam na tabela 4. Tal permite-nos concluir que há uma falha na uniformidade de distribuição de água na parcela de banana, enquanto que na parcela de citrinos os valores desta uniformidade encontram-se dentro dos limites que Mantovani (2001), citado por Geiger et al. (2023)Geiger, M. D., Schiavon, C. S., Aquino, L. S., Kopp, L. M., Damé, R. C. F., e Almeida, C. F. (2023). Avaliação de um Sistema de Irrigação por Gotejamento. Paper presented at the XXXII Congresso de Iniciação Científica, Universidade Federal do Amazonas. Manaus. Amazonas. Brasil. considera aceitáveis (80%). Porém, Santos et al. (2021)Santos, M., Fernandes, W., Souza, J., e Souza, V. (2021). Eficiência de sistema de irrigação por gotejamento utilizando água salobra / Drip irrigation system efficiency using saline water. Brazilian Journal of Development, 7, 73248-73262. https://doi.org/10.34117/bjdv7n7-480. referem que, para sistemas de rega por gotejamento, o ideal é que o coeficiente de uniformidade (CUC) atinja um valor superior a 90% e a uniformidade de distribuição (UD) se situe entre 85 a 90%. Tendo em conta os limites propostos por estes autores, os valores de uniformidade das duas parcelas estudadas encontram-se abaixo dos considerados aceitáveis.
Indicadores | Citrinos | Banana |
---|---|---|
Volume médio (ml) | 47,5 | 54,7 |
Caudal médio (L h-1) | 1,4 | 1,6 |
Volume quartil mínimo (ml) | 38,7 | 38 |
Caudal médio no quartil inferior (L h-1) | 1,2 | 1,14 |
Uniformidade de distribuição (UD) (%) | 81,6 | 69,4 |
Coeficiente de Uniformidade | 88,9 | 87,5 |
Hakiruwizera et al. (2024)Hakiruwizera, E., Hatungimana, C., Mutangana, D., Manishimwe, J., e Igirimbabazi, A. (2024). Performance Evaluation of a Drip Irrigation System inside the Automated Greenhouse in Huye Ecological Condition. Middle East Research Journal of Agriculture and Food Science, 4, 26-33. doi: https://doi.org/10.36348/merjafs.2024.v04i01.004., num estudo realizado em estufa, que visava avaliar o coeficiente de uniformidade, verificaram que o sistema apresentou um valor de 99,96%. De acordo com a classificação de Keller e Karmeli (1975), este valor está dentro do considerado excelente. Andrade et al. (2021)Andrade, A., Silva, E., Silva, E., Pereira, R., Silva, J., Costa, C., . . . Noronha, D. (2021). Avaliação do desempenho de sistema de irrigação por gotejamento em cultivo de maracujá. Research, Society and Development, 10, e21710414034. doi: https://doi.org/10.33448/rsd-v10i4.14034, fizeram a avaliação da uniformidade de distribuição em irrigação localizada numa fazenda cum cultivo de maracujá, cuja colecta de dados dos gotejadores foi feita conforme a metodologia proposta utilizada neste trabalho, tendo verificado valores de UD de 90,37% e CU de 89,86% classificando desta forma a uniformidade do sistema como sendo excelente.
Estudando a uniformidade de distribuição em irrigação por gotejamento na cultura do milho, Santos et al. (2017)Santos, M., Santos, D., Silva, D., Silva, M., e Cavalcante, P. (2017). Avalaição da uniformidade de distribução de um sistema de irrigação por gotejamento em Inamhe (Dioscorea cayennensis L.). Revista Ciência Agrícola, 13, 7. https://doi.org/10.28998/rca.v13i1.1272. concluíram que o sistema apresentou valores de uniformidade de distribuição de 97,2%, tendo classificado a uniformidade como sendo excelente. Resultados excelentes foram também obtidos por Vidal et al. (2012) Vidal, V. M., Bessa, J. F. V., Pedrosa, J. S., Valério, F. L., Soares, F. A. L., e Teixeira, M. B. (2012). Avaliação de un sistema de irrigação por gotejamento. Paper presented at the IV WINTONEC. Worshop Internacional de Inovações Tecnológicas na Irrigação, Brasil. quando calculavam a uniformidade de sistemas de irrigação por gotejamento. Os autores obtiveram valores de uniformidade de 97 e 93%, tendo classificado a uniformidade do sistema, de acordo com Merriam e Keller (1978)Merriam, J. L., e Keller, V. (1978). Farm Irrigation System Evaluation: A Guide For Management. USA. como excelente.
Medindo a uniformidade de irrigação na cultura do milho e fava, Rodrigues et al. (2017)Rodrigues, V. d. S., Sales, J. R. d. S., D' Araújo, E., de Ceita, R., Pires de Souza, M. V., e Gomes., d. S. G. (2017). Avaliação da uniformidade em um sistema de irrgação por gotejamento em campo com a cultura do milho e fava. Paper presented at the II Congresso Internacional das Ciência Agrárias. COINTER-PDVAgro Brasil. obtiveram valores do coeficiente de uniformidade superiores a 90%, o que, de acordo com a classificação de Christiansen é excelente.
Os altos valores de uniformidade apresentados por estes autores permitem compreender melhor, quando contrastados com os valores calculados para a zona em estudo, o baixo desempenho do sistema nos locais analisados e, consequentemente, a necessidade de haver melhorias na forma como se gere a rega e chamando, portanto, atenção para necessidade de manutenção constante.
Assim, tendo em conta os valores calculados nas parcelas estudadas, pode-se classificar a uniformidade do sistema de rega como sendo bom, nas parcelas de citrinos e de banana conforme a tabela 2. As Tabelas 5 e 6 apresentam os efeitos em termos de acréscimo no consumo de água em consequência dos baixos níveis de UD avaliados. Foram tidas em conta os valores de UD avaliados e aqueles considerados excelentes para sistemas de rega gota-a-gota (95%).
Mês | Necessidades líquidas de rega para o ciclo (m3 ha-1) | Consumo total da cultura (m3) | Necessidades reais de rega (m3) | Acréscimo no consumo de água resultante da baixa UD (m3) | |
---|---|---|---|---|---|
UD a 69,4% | UD a 95% | ||||
Janeiro | 683 | 5 040 | 7 262,2 | 5 305,3 | 1 957 |
Fevereiro | 560 | 3 258 | 4 694,5 | 3 429,5 | 1 265,1 |
Março | 362 | 441 | 635,4 | 464,2 | 171,2 |
Abril | 49 | 0 | 0 | 0 | 0 |
Maio | 0 | 10 773 | 15 523,1 | 11 340 | 4 183,1 |
Junho | 1 197 | 12 474 | 17 974,1 | 13 130,5 | 4 843,5 |
Julho | 1 386 | 12 357 | 17 805,5 | 13 007,4 | 4 798,1 |
Agosto | 1 373 | 12 564 | 18 103,7 | 13 225,3 | 4 878,5 |
Setembro | 1 396 | 12 393 | 17 857,3 | 13 045,3 | 4 812,1 |
Outubro | 1 377 | 11 223 | 16 171,5 | 11 813,7 | 4 357,8 |
Novembro | 1 247 | 6 048 | 8 714,7 | 6 366,3 | 2 348,4 |
Dezembro | 672 | 6 145 | 8 857,3 | 6 470,5 | 2 386,8 |
Anual | 10 302 | 92 718 | 133 599,4 | 97 597,9 | 36 001,5 |
O baixo valor da UD verificado tem como consequência um maior dispêndio no consumo de água, pelo que, no presente caso, um cessionário pagaria por hectare de pomar de banana arrendado com a UD a 69,4% o valor de 32 361 Akz ha-1, enquanto que se o UD fosse de 95% pagaria apenas 23 640 Akz ha-1, ou seja, verifica-se um acréscimo no valor anual da tarifa da água para rega de 8 720 Kwanzas por hectare, reduzindo assim o retorno obtido pela actividade.
Mês | Necessidades líquidas de rega para o ciclo (m3 ha-1) | Consumo total da cultura (m3) | Necessidades reais de rega (m3) | Acréscimo no consumo de água resultante da baixa UD (m3) | |
---|---|---|---|---|---|
UD a 81,6% | UD a 95% | ||||
Janeiro | 196 | 14 504 | 17 774,5 | 15 267,4 | 2 507,1 |
Fevereiro | 181 | 13 394 | 16 414,2 | 14 098,9 | 2 315,3 |
Março | 0 | 0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Abril | 0 | 0 | 0,0 | 0,0 | 0,0 |
Maio | 571 | 42 254 | 51 781,9 | 44 477,9 | 7 304,0 |
Junho | 690 | 51 060 | 62 573,5 | 53 747,4 | 8 826,2 |
Julho | 682 | 50 468 | 61 848,0 | 53 124,2 | 8 723,8 |
Agosto | 694 | 51 356 | 62 936,3 | 54 058,9 | 8 877,3 |
Setembro | 674 | 49 876 | 61 122,5 | 52 501,1 | 8 621,5 |
Outubro | 546 | 40 404 | 49 514,7 | 42 530,5 | 6 984,2 |
Novembro | 16 | 1 184 | 1 451,0 | 1 246,3 | 204,7 |
Dezembro | 317 | 23 458 | 28 747,5 | 24 692,6 | 4 054,9 |
Anual | 4 567 | 337 958 | 414 164,2 | 355 745,2 | 58 419 |
O baixo valor da UD verificado tem como consequência um maior dispêndio no consumo de água, pelo que, no presente caso, um cessionário pagaria por hectare de pomar de citrinos arrendado com a UD a 81,6% o valor de 12 201 Akz ha-1, enquanto que se o UD fosse de 95% pagar-se-ia apenas 10 480 Akz ha-1, ou seja, o menor valor do UD implica um acréscimo no valor anual da tarifa da água para rega de 1 721 Kwanzas por hectare, reduzindo assim o retorno obtido pela actividade.
Um outro aspecto que precisa ser analisado é o caudal médio calculado. Por exemplo, nas parcelas dos citrinos, o caudal calculado foi inferior àquele projectado aquando da instalação inicial do projecto, ou seja, a rede de rega do perímetro do Mucoso foi dimensionada para atender às necessidades das culturas que viriam a ser instaladas (Ministério da Agricultura, 2014Ministério da Agricultura. (2014). Reabilitação do perímetro irrigado de mucoso (500 ha) (pp. 752). Angola: Incatema Consulting & Engineering.), no caso dos citrinos, na área experimental, foi instalada uma linha de tubagem lateral com gotejadores integrados turbulentos cujo caudal nominal é de 2,2 L h-1. O caudal calculado nesta parcela é de 1,4 L h-1, inferior ao que foi projectado. Isso implica que o tempo de rega deverá ser maior, pois só assim se atenderá à demanda hídrica desta cultura. Outra implicação é o aumento do consumo de combustível, pois as máquinas precisarão funcionar mais tempo, já que mais horas de rega serão requeridas.
Alguns aspectos a evitar na prática da rega no local em estudo
⌅A agricultura irrigada demanda conhecimentos específicos dos processos que intervêm na produção, sobretudo quando se pretendem obter elevadas produtividades. Mutambara e Munodawafa (2014) citados por (Moyo et al., 2017Moyo, M., Van Rooyen, A., Chivenge, P., e Bjornlund, H. (2017). Irrigation development in Zimbabwe: understanding productivity barriers and opportunities at Mkoba and Silalatshani irrigation schemes. International Journal of Water Resources Development, 33, 1-15. doi: https://doi.org/10.1080/07900627.2016.1175339.) estudaram as principais barreiras que influenciavam a sustentabilidade das pequenas explorações irrigadas no Zimbabwe. Os autores referiram que o nível educacional dos pequenos agricultores, sendo o primeiro aspecto, limitava o seu acesso à informação, o que, de certa maneira, os colocava alheios aos conhecimentos específicos sobre as práticas mais adequadas. Portanto, tratando-se da agricultura irrigada à escala nacional, que demanda conhecimentos específicos dos processos que, directa e indiretamente, afectam a produção, a eficiência da rega e a qualidade do solo, é imperioso que os principais intervenientes da rega neste perímetro possam evitar as más práticas cujos efeitos aceleram os processos de degradação dos sistemas de rega e do próprio solo (Figura 4).
Assim, é importante assegurar que todos os gotejadores estejam colocados em números que possam garantir que a planta tenha disponível água na sua zona radicular sem necessariamente comprometer o solo.
Determinação das necessidades de rega das culturas do perímetro do Mucoso
⌅Na figura 5 apresentam-se os valores mensais de necessidades líquidas de rega para as diferentes culturas instaladas no perímetro irrigado do Mucoso. Os meses de Março e Abril correspondem ao período de menor necessidade líquidas de rega, pois é nestes meses que há maior quantidade de precipitação.
Foram estimadas também as necessidades líquidas anuais de rega. Para os citrinos, as necessidades estimadas foram de 4 567 m3 ano-1, para o ananás, cultura que é pouco exigente em água, foram estimadas necessidades na ordem dos 934 m3 ano-1, para a manga 7 803 m3 ano-1 e para a cultura da banana que é muito exigente em água foram estimadas necessidades líquidas de 10 302 m3 ano-1. O período de maior necessidade líquidas de rega para quase todas as culturas compreende os meses de Junho, Julho e Agosto, quando há maior precipitação na região.
CONCLUSÕES
⌅A avaliação do desempenho dos sistemas de rega, efetuada através da determinação de coeficientes de uniformidade de distribuição de água na parcela, permitiu constatar que o desempenho dos sistemas está longe do desejado, nomeadamente, tendo em consideração os valores relatados em grande parte da literatura, classificados como excelentes para este sistema de rega. Estes resultados apontam para a necessidade da realização periódica de avaliações do UD e de outros indicadores, para se evitar desperdícios de água, com prejuízos directos na planta e no ambiente, com efeitos na produção e na produtividade da água.
Os baixos níveis de uniformidade detetados resultam num maior consumo de água, o que implica um maior dispêndio associado à rega e prejudica o rendimento individual dos agricultores. Esta situação repercute-se de forma negativa também ao nível da oferta de água, na medida em que uma maior utilização de água implica maiores despesas de exploração do perímetro.
De facto, a nível económico, os números apresentados são esclarecedores. As receitas próprias geradas pela gestão corrente do Perímetro, no período avaliado, são insuficientes para fazer face às despesas suportadas, o que prejudica a sustentabilidade económica do projecto, que se pretendia que fosse rentável para a região.
Para se alcançar a produção desejada pelo Núcleo de Gestão, o que concorreria para um aumento da oferta de produtos nacionais, é necessário estabelecer-se um equilíbrio entre o uso da água e o que dela se obtém em termos de produção, ou seja, as receitas geradas pela cobrança de taxas anuais (tarifa de água, valor de implantação das parcelas e beneficiação de terras) precisam compensar os custos de investimento e funcionamento ao longo dos anos, pois só assim seria possível falar em sustentabilidade económica do Perímetro irrigado.
As conclusões deste trabalho não são de carácter definitivo. É necessário dar continuidade aos trabalhos de avaliação dos sistemas de rega, com regularidade, no sentido de identificar os constrangimentos e actuar de forma a manter os valores de UD em níveis considerados excelentes.